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segunda-feira, 14 de maio de 2012
As aventuras de Leonardo, herói das Memórias de um Sargento de Milícias, filho de Leonardo Pataca e de Maria da Hortaliça, são o núcleo da narrativa. Seus pais, imigrantes portugueses, conheceram-se a bordo do barco que os trouxe ao Brasil, depois de uma pisadela no pé direito e de um beliscão:
Ao sair do Tejo, estando Maria encostada à borda do navio, o Leonardo fingiu que passava distraído junto dela, e com o ferrado sapatão assentou-lhe uma valente pisadela no pé direito.
A Maria, como se já esperasse por aquilo, sorriu-se como envergonhada do gracejo, e deu-lhe também em ar de disfarce um tremendo beliscão nas costas da mão esquerda.
Era isto uma declaração em forma, segundo os usos da terra: levaram o resto do dia de namoro cerrado; ao anoitecer passou-se a mesma cena de pisadela e beliscão, com a diferença de serem desta vez um pouco mais fortes; e no dia seguinte estavam os dois amantes tão extremosos e familiares, que pareciam sê-lo de muitos anos.
O nascimento de Leonardo foi inevitável sete meses depois; sua caracterização é marcante:
... sete meses depois teve a Maria um filho, formidável menino de quase três palmos de comprido, gordo e vermelho, cabeludo, esperneador e chorão; o qual, logo depois que nasceu, mamou duas horas seguidas sem largar o peito. E este nascimento é certamente de tudo o que temos dito o que mais nos interessa, porque o menino de quem falamos é o herói desta história.
Aos sete anos, “... quebrava e rasgava tudo que lhe vinha à mão. Tinha uma paixão decidida pelo chapéu armado do Leonardo; se este o deixava por esquecimento em algum lugar ao seu alcance, tomava-o imediatamente, espanava com ele todos os móveis, punha-lhe dentro tudo que encontrava, esfregava-o em uma parede, e acabava por varrer com ele a casa...”.
Maria da Hortaliça não era fiel a seu companheiro. Depois de flagrá-la com alguém que escapa pela janela, Leonardo Pataca, num assomo de raiva, chuta o pequeno Leonardo para fora de casa e perde Maria, que foge.
Apesar de abandonado pelos pais, Leonardinho — como chamaremos a Leonardo filho neste texto — conta — não só nesse momento, mas ao longo de toda a vida — com a proteção e o afeto de várias personagens: expulso de casa, passa a viver com o padrinho, que era barbeiro e que cuida dele durante anos. Sua madrinha, parteira e “papa-missas”, também o ajudará.
Afeiçoado pelo menino, o barbeiro fazia vistas grossas às suas malandragens. O plano do padrinho era que Leonardo fosse clérigo. Porém, na escola, ele era o gazeteador-mor de sua sala — o aluno que mais “matava” aulas —, que diariamente tomava bolos do professor; na Igreja, como coroinha, com um outro pequeno sacristão, fazia todo o tipo de travessuras: vingou-se de uma vizinha que não gostava dele e expôs publicamente o caso do reverendo com uma cigana.
Na primeira parte do livro, embora o narrador afirme que o herói é Leonardo filho, também as trapalhadas de Leonardo, o pai, são relatadas. Metido em problemas amorosos com a cigana, que também tinha um caso com o reverendo da Sé, Pataca é preso em um ritual de Fortuna — macumba — pelo Major Vidigal, temida autoridade policial da época do reinado de Dom João VI no Brasil:
“Nesse tempo ainda não estava organizada a polícia da cidade, ou antes estava-o de um modo em harmonia com as tendências e idéias da época. O major Vidigal era o rei absoluto, o árbitro supremo de tudo que dizia respeito a esse ramo de administração; era o juiz que julgava e distribuía a pena, e ao mesmo tempo o guarda que dava caça aos criminosos; nas causas da sua imensa alçada não havia testemunhas, nem provas, nem razões, nem processo; ele resumia tudo em si; a sua justiça era infalível; não havia apelação para as sentenças que dava, fazia o que queria, e ninguém lhe tomava contas. Exercia enfim uma espécie de inquirição policial.”
Para conseguir a soltura depois de ser preso por Vidigal, Leonardo Pataca é ajudado por um tenente-coronel que lhe devia um favor. Fora da prisão, envia a uma festa na casa da cigana um valentão que batia por dinheiro, o Chico Juca, para arrumar uma briga. É nessa confusão que o caso da cigana com o reverendo acaba revelado de fato:
“No mesmo instante viu aparecer o granadeiro trazendo pelo braço o Rev. mestre de cerimônias em ceroulas curtas e largas, de meias pretas, sapatos de fivela, e solidéu à cabeça. Apesar dos apuros em que se achavam, todos desataram a rir: só ele e a cigana choravam de envergonhados.”
Depois de reatar brevemente suas relações com a cigana, Leonardo Pataca relaciona-se com Chiquinha, com quem se casará — há aqui um pequeno defeito na narrativa, atribuído a Manuel Antônio de Almeida: ao citar Chiquinha pela primeira vez, o narrador afirma que ela é sobrinha da comadre; no início do segundo volume, afirma que ela é filha da comadre.
As aventuras de Leonardinho tornar-se-ão, nesse momento, o único núcleo das Memórias e uma importante personagem surgirá: Dona Maria, velha rica que também protegerá o protagonista.
“D. Maria tinha bom coração, era benfazeja, devota e amiga dos pobres, porém em compensação dessas virtudes tinha um dos piores vícios daquele tempo e daqueles costumes: era a mania de demandas. Como era rica, D. Maria alimentava esse vício largamente; as suas demandas eram o alimento da sua vida; acordada pensava nelas, dormindo sonhava com elas...”
É na casa de D. Maria que Leonardo, já jovem e ainda absolutamente desocupado, se encantará por Luisinha, sobrinha abastada da velha das demandas. No entanto, há um entrave para a paixão de Leonardo: é José Manuel, rival que usará de todos os artifícios para conquistar Luisinha.
Depois da morte do barbeiro, o herói da narrativa será obrigado a ir morar com seu pai, Chiquinha, uma meia-irmã já nascida e a parteira.
O convívio com a madrasta é insuportável, e Leonardinho abandona a casa. Enquanto os desentendimentos ocorriam, a parteira havia tentado afastar José Manuel de Luisinha para favorecer o afilhado, mas a distância de Leonardinho dá espaço ao rival, que acaba conseguindo casar-se com a jovem graças à influência, junto à Dona Maria, de um mestre de reza — espécie de “professor de oração”, velho e cego, que ensinava a rezar a criadagem da velha.
Longe de casa, Leonardo reencontra seu velho amigo de travessuras da igreja. É esse rapaz que lhe fará conhecer um novo amor, Vidinha, moça bonita de voz encantadora, de uma família composta de duas viúvas — a mãe de Vidinha e sua irmã — e seis jovens, três filhos de uma, empregados no exército e três filhas de outra. Apaixonado, Leonardo agrega-se a essa família para conquistar a mais bela das irmãs, mas encontra a resistência de dois dos primos, que tinham a mesma finalidade.
Prestes a abandonar a casa, depara-se com a madrinha, que o havia localizado. Rapidamente ela ganha a amizade e a simpatia das viúvas. Em uma patuscada (festa familiar), os rivais do memorando arranjam que ele seja preso pelo Vidigal, por vadiação, porém ele escapa das garras do policial e retorna ao convívio da casa.
Para livrá-lo da acusação dos dois irmãos e da perseguição de Vidigal, que jurava vingança por ter perdido uma presa, a comadre lhe arruma emprego na ucharia-real, o depósito de mantimentos do rei, perdido à custa de um flerte com a mulher do toma-largura, apelido que se dava a criados do rei.
Enciumada por causa desse episódio, Vidinha vai à ucharia fazer escândalo; acompanhando-a para persuadi-la do contrário, Leonardinho acaba finalmente preso pelo Vidigal, que fará dele um granadeiro de sua patrulha. Aliviada, Vidinha retorna a casa, não sem encantar o toma-largura que, espertalhão e conquistador, se aproxima da família das duas viúvas. Em uma patuscada, o don juan é preso por beber demais: é Leonardo quem se encarrega dessa tarefa.
Mesmo ligado à tropa de Vidigal, Leonardo não deixa de ser malandro e prega peças em seu superior — livra da perseguição o Teotônio, um piadista —, o que lhe rende a prisão definitiva, da qual só sairá depois da intervenção de Dona Maria, da comadre e de Maria Regalada, amor antigo de Vidigal, que intercede junto a ele em nome do herói.
Em troca da liberdade de Leonardo, Maria Regalada cede ao desejo de Vidigal e mora em sua companhia. Livre e com o cargo de sargento da companhia de granadeiros, Leonardo casa-se com Luisinha após a morte de José Manuel. Como sargentos da ativa não podiam casar-se, ganha o título de sargento de milícias, que dá título ao texto.
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